A «Trégua
do
Natal» de
1914
A «Trégua de Natal»
foi um armistício espontâneo que ocorreu por entre as trincheiras da frente
ocidental no Natal de 1914, durante a I Guerra Mundial. No meio da mortandade
sem sentido da I Guerra, houve canções de natal, troca de presentes entre
soldados alemães de um lado, e ingleses e franceses do outro, rezou-se pelas
almas dos que partiram e houve até mesmo jogos de futebol, jogados na «terra de
ninguém», nessa fria manhã de Natal...
«Noite Feliz»
«Noite Feliz»
Nos dias que antecederam o Natal de
1914, nas trincheiras da frente ocidental, desde o Mar do Norte à fronteira com
a Suíça, começaram a surgir sinais do espírito natalício. Dias antes, o
Papa Bento XV, apelara a um cessar-fogo, prontamente recusado pelos dois lados
do conflito.
Na noite de 24, os tiros foram-se
calando espontaneamente, ao longo da frente. Na zona de Ypres, na Bélgica,
soldados alemães começaram a colocar velas ao longo das trincheiras,
decorando-as com enfeites e começando a decorar também algumas árvores de
Natal, ao mesmo tempo que entoavam canções de Natal. Do outro lado das
barricadas, os ingleses responderam, começando a cantar as suas canções de
Natal e algumas versões, das canções que os alemães já cantavam. Saudações de
«Feliz Natal» começaram a ser dedicadas ao inimigo, até que alguns soldados,
pondo de parte as armas, avançaram para a Terra de Ninguém, onde ingleses e
franceses, se encontraram com os alemães, começando a trocar os mais diversos
presentes que tinham à mão, como chocolates, tabaco ou álcool. Debaixo de um
frio gelado, com muitos graus abaixo do zero, conseguiu-se aquecer o coração
dos homens e celebrou-se o Natal, conversou-se, trocaram-se alimentos, abraços
e sorrisos. Rezou-se em conjunto, recuperam-se os corpos de alguns dos que
tinham tombado recentemente na zona entre trincheiras. A trégua, nalguns casos,
só durou essa noite, voltando a artilharia a fazer estragos logo pela manhã.
A bola da paz
Porém, noutras zonas, a trégua continuou
pelo dia de Natal fora, realizando-se diversos jogos de futebol entre os
alemães e os aliados ocidentais. Dos mais diversos jogos que se jogaram ao
longo de centenas de quilómetros da frente. 3x2, a favor de uma equipa de
alemães, foi o único dos resultados que chegou até nós, documentado em cartas
escritas nos dias seguintes, tanto por alemães como ingleses às respetivas
famílias. Essas cartas falam da emoção do momento, da alegria de partilhar um
jogo, chutar uma bola com os homens que tinham tentado matar nos dias
anteriores. A espontaneidade dos jogos de futebol na «terra de ninguém»,
demonstrou a dimensão que o futebol começava a ter entre os europeus,
tornando-se já então, no desporto mais amado.
Da mesma maneira que a trégua
começou, acabaria por terminar por mútuo acordo. E para estranheza de mais dos
cem mil que tinham participado nos diversos armísticios de ocasião, ao fim de
algum tempo, as metralhadoras voltaram a disparar, as granadas a rebentar, a
artilharia a bombardear. A guerra voltava...
Para memória futura
Até às últimas décadas do século XX,
muitos pensavam que tudo não passara de um rumor de trincheira. Contudo, os
relatos, as cartas, e as histórias acabaram por confirmar, e mostrar que no
Natal de 1914, na frente ocidental, milhares de homens interromperam a chacina
para conviver, festejar o Natal e inclusivamente jogar futebol...
As gerações vindouras nunca
esqueceram, e a cultura popular está repleta de referências à «Trégua de
Natal», em registos tão dispares como a série cómica inglesa Blackadder (1989)
que se passava nas trincheiras da I Guerra Mundial, o vídeo musical de Paul
McCartney para a música Pipes of Peace de 1983, a música All
Together Now dos britânicos Farm de 1990, ou a mais recente
representação dos acontecimentos do dia, no filme de 2005, Joyeux Noël [pt:
«Feliz Natal»], de Christian Carion, com Daniel Brühl.
Do outro lado, um jovem cabo, do 16º
Regimento da Baviera, de seu nome Adolph Hitler, vociferava para quem o quisesse
ouvir: «Estas coisas não deviam acontecer durante do tempo de guerra.
Porventura os alemães perderam já todo o sentido de honra?» Nem
Hitler, nem os altos comandos dos dois lados se precisavam preocupar.
Rapidamente o conflito foi retomado, com ofensivas cada vez mais onerosas em
vidas para ambos os lados. Um ano depois, a quantidade imensa de mortes às mãos
das metralhadoras, mas também dos bombardeamentos e dos gases venenosos,
provocaram um crescimento tal do ódio ao inimigo, que a trégua já não pode ter
lugar.
Soldados
revivem jogo de futebol que marcou trégua no Natal de 1914
Os capitães das equipas de futebol do Exército Britânico, sargento Keith
Emmerson (direita), e do Exército Alemão, capitão Alfred Hess, antes do início
da partida que reproduz o ‘Jogo da Trégua’, realizado em dezembro de 1914
(Foto: Reuters/Toby Melville)
Um século depois,
soldados britânicos e alemães reuniram-se, nesta quarta-feira (17) à noite no
sudoeste de Londres, para reviver a histórica partida de futebol que marcou a
trégua natalícia na Primeira Guerra Mundial, em 1914. O jogo aconteceu na cidade
de Aldershot, a cerca de 60 km da capital, como parte das celebrações do
Centenário da chamada guerra total. Há 100 anos, na cidade de Saint-Yvon, na
Bélgica, próxima à fronteira francesa, alemães e britânicos suspenderam as
hostilidades, após meses de sangrentos combates.
As tropas deixaram
as trincheiras para disputar uma partida de futebol que teria terminado em 3 a
2 para os alemães, segundo as anotações do soldado Kurt Zehmisch, do 134º
Regimento saxão.
Enquanto os
analistas ainda questionam as condições, graças às quais aquele jogo natalício pôde acontecer, o capitão da equipa de Sua Majestade, Keith Emmerson, de 31
anos, afirmou que o mais importante é acreditar em sua magia. "É uma
grande honra jogar essa partida", disse ele, admitindo, porém, que não
faria a mesma coisa com os insurgentes talibãs que ele combateu quando estava
no Afeganistão. "O inimigo permanece inimigo", frisou. O Reino Unido teve sua vingança em relação a 1914, derrotando os adversários por 1
a 0, diante de um público de 2.547 pessoas. A receita da partida desta
quarta-feira será destinada a obras de caridade.
Jason Bate, de 43
anos, que serviu na Royal Navy, compareceu ao evento com a mulher e com o
filho, John, de 13. "Estamos aqui, porque faz parte da História. Meu
tio-bisavô foi morto na Batalha de Somme. Meu filho vai guardar o programa do
jogo para mostrar para os filhos e os netos", comentou.
O campo estava
cercado de papoilas gigantes, flor que se tornou símbolo dos soldados da
Commonwealth caídos em combate. Antes do início da partida, o público fez um
minuto de silêncio e entoou, junto com Marilena Gant, "Douce nuit, sainte
nuit". O comissário de Exposição no Imperial War Museum de Londres, Matt
Brosnan, explicou à AFP que os jogos de futebol foram um fenómeno muito
isolado. Segundo ele, "as trocas de presentes foram mais frequentes".
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